por Priscila Rios * e Juares Soares Costa **
Quando perguntaram ao biólogo e antropólogo Gregory Bateson, quem daria prosseguimento a seu trabalho, ele apontou para o Chile, referindo-se a Humberto Maturana. Ao que tudo indica, Bateson, cujas teorias ajudaram a fundamentar a terapia familiar de base interacional e comunicacional, estava certo. Há mais de cinco décadas os estudos desenvolvidos pelo cientista chileno vêm revolucionando o paradigma científico tradicional. Além de trazer para o ambiente acadêmico o verbo “amar”, ele propõe que a ciência ultrapasse as limitações impostas pelo pensamento exclusivamente cartesiano.
Graduado em Medicina e Biologia, área em que doutorou-se por Havard, Maturana publicou junto a pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology), em 1959, o clássico artigo sobre neurofisiologia “O Que o Olho da Rã diz para o Cérebro da Rã”. Durante o “Simpósio sobre Cognição” realizado dez anos depois, nos Estados Unidos, apresentou “Concepção de Vida”, sendo citado pelo pai da cibernética e coordenador do encontro, Heinz Von Foerster, como uma de suas referências sobre noções de vida, lógica e grandes sistemas. Na década seguinte divulgaria uma de suas principais teorias: a Autopoiesis, sobre a capacidade dos seres biológicos de se auto-produzirem, em uma interação contínua e circular com o meio em que vivem. Desde então, seus estudos vêm sendo aplicados em áreas tão diversas como imunologia, interação homem/máquina, sociologia, economia, filosofia, administração, ecologia, pedagogia, psicologia, psiquiatria, lingüística e epistemologia.
Longe de uma aparente complexidade, o núcleo do pensamento de Maturana é simples: afirma que o amor é intrínseco à estrutura biológica dos seres vivos, pressuposto a partir do qual levanta uma série de reflexões sobre o comportamento humano. Questiona, por exemplo, a crença popular de que as crianças são o futuro da humanidade, atribuindo tal responsabilidade aos adultos que as educam. Opõe-se também a visões que predeterminam a existência do indivíduo apenas a partir de sua história passada. Em sua concepção, o comportamento de uma pessoa é continuamente re-aprendido, como resposta ao meio em que vive.
No entanto, após mais de 50 anos de pesquisa, no final do século passado Maturana ainda deparava-se com um desafio: como aplicar suas teorias de modo prático? A solução viria a partir de uma de suas discípulas, a professora Ximena Dávila Yanez, cuja prática profissional a levara à conclusão de que “toda dor e sofrimento pelos quais se pede ajuda têm origem cultural”. “Antes de meu encontro com ela tinha as idéias, mas não sabia como fazer”, reconhece o mestre. Do casamento entre teoria e prática surgiu, em 2000, o Instituto de Formação Matriztica, em Santiago, no Chile. Argumentando que a causa de cerca de 90% do sofrimento humano está no desamor, juntos, Maturana e Ximena concluíram que amar é a principal medicina. Desenvolveram então A Biologia do Amar, prática que utilizando a linguagem como instrumento de reflexão, é capaz de provocar transformações libertadoras.
Mas afinal, o que os pensadores chilenos entendem por amar? “Amar é aceitar o outro como legítimo outro, na relação”, responde Maturana. Trata-se de um caminho unidirecional, onde não se exige ou se espera nada como retorno. É um verbo intransitivo que abre espaço para uma relação diferente com o mundo. Esta atitude, porém, exige que se abra mão do egocentrismo e que seja desenvolvido um olhar sistêmico, que se ocupe com o bem-estar de outras pessoas e do meio-ambiente. Ou seja, que possibilite ao próximo um espaço onde ele possa existir plenamente, ao invés de oferecer-lhe instruções de como e o que fazer. O compromisso, no entanto, deve ser pessoal. “Se o que vejo não é o que quero, a responsabilidade por mudá-lo é minha”, afirma. Comportamento que, por sua vez, faz toda a diferença, pois “podemos mudar a emoção e mudar a emoção pode mudar o mundo”, conclui Ximena.
Atualmente, coordenado por Maturana e Ximena, o Instituto Matríztico é composto por uma equipe de 16 pessoas, entre eles os professores Javier Lepe Honores, com formação em Psicologia, e Humberto Gutierrez Sotelo, graduado em Filosofia. Ambos docentes da Universidade Academia do Humanismo Cristão, na capital chilena. Além de participar de eventos e relacionar-se com diversas instituições, tanto no Chile quanto em outros países da América Latina e Europa, o Instituto desenvolve trabalhos com famílias, escolas, empresas, sociedade, meio-ambiente e instituições governamentais.
***
**Juares Soares Costa é psiquiatra, terapeuta sistêmico e diretor do Instituto de Terapia de Família e Comunidade de Campinas..
Entendo a ideia e posso dizer que já vivi desse modo unilateral. É difícil... Mas mudei bastante, pra melhor.
ResponderExcluirPassei por diversos problemas e sofri muito. Hoje me questiono... Na verdade estou no meio do caminho sobre adotar novamente esse estilo de vida ou outro, que nem sei qual ainda.
Essas questões de viver melhor pra nós e pros outros têm me trazido muito turbulência...
Mas são coisas da vida...
Adorei o texto!